quinta-feira, junho 29, 2006

Para quem quiser ler

Tu sabes,
conheces melhor do que eu a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces e eu fantasio um levante;
mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios calem a verdade
como um foco de germes capaz de me destruir
até que a Democracia se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei, porque não estou amedrontado a ponto de cegar,
que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais.

Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição de falso democrata e rotulo meus gestos com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso, esconder minha dor diante de meus superiores.
Mas dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes, o coração grita - MENTIRA!